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Alterações cognitivas após AVC

Depois do AVC  >  Alterações cognitivas após AVC

Quando pensamos em dificuldades pós AVC, a imagem que mais nos surge é a das sequelas visíveis: a dificuldade em andar, o braço que não mexe bem ou a fala arrastada. Mas, para muitos sobreviventes e familiares, o maior desafio começa quando percebem que algo mudou na forma como pensam, sentem e processam o mundo.


Estas são as sequelas cognitivas — um dos "lados invisíveis" do AVC.


Ao contrário das dificuldades físicas, estas dificuldades não se veem a olho nu, o que pode gerar incompreensão, frustração e isolamento. Vamos então perceber que alterações são estas e conhecer algumas estratégias práticas para o dia-a-dia.
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As 4 Grandes Áreas Afetadas 

 

O nosso cérebro funciona como uma orquestra, tudo funciona em conjunto para que a música soe bem. Nem sempre é fácil perceber quais são os instrumentos que podem estar desafinados, mas vamos conhecer os 4 principais.

1. Atenção e Concentração
As dificuldades de atenção são das sequelas mais comuns, afetando a capacidade do cérebro de "filtrar" o que é importante. Para o sobrevivente, isto significa que ambientes ruidosos ou com muita informação tornam-se rapidamente exaustivos, pois o cérebro tenta processar tudo ao mesmo tempo, sem sucesso.

Tarefas que antes eram automáticas, como conversar enquanto se caminha ou cozinhar com a televisão ligada, tornam-se impossíveis, gerando uma fadiga mental profunda e a sensação constante de que o pensamento está mais lento ou com nevoeiro.

  • O que pode ser agora difícil:

    • Fazer uma tarefa até ao fim

    • Ignorar distrações (sons, pessoas, luzes)

    • Manter uma conversa com barulho de fundo (mais pessoas a falar, a televisão)

2. Memória 
Ao contrário do que se vê em filmes, a perda de memória após um AVC raramente apaga o passado distante. O problema é, geralmente, guardar informações novas.

O cérebro passa a ter dificuldades de memorizar o que acontece no presente (memória recente) ou de se lembrar de realizar ações futuras (memória prospetiva).

Na prática, isto traduz-se em repetir as mesmas perguntas várias vezes, esquecer o que alguém disse há cinco minutos, perder objetos constantemente ou falhar compromissos importantes, como a toma da medicação.

Não se trata de desinteresse, mas sim de uma falha no sistema de armazenamento do cérebro.


Para além disto, muitos sobreviventes não se recordam do dia do AVC ou dos primeiros tempos no hospital. Algumas pessoas podem não se conseguir lembrar dos últimos meses ou anos antes do AVC: acontece em casos mais raros.

  • O que pode agora acontecer

    • Não guardar informações novas (o que alguém disse há 5 minutos)

    • Repetir muitas vezes a mesma pergunta

    • Dificuldade em aprender coisas novas

    • Esquecer-se de compromissos

 

3. Funções Executivas
As funções executivas atuam como o maestro da orquestra: são elas que nos permitem planear, organizar, iniciar tarefas e resolver imprevistos.

Quando o AVC afeta estas capacidades, o sobrevivente pode perder a habilidade de estruturar o seu dia, mesmo que as suas capacidades físicas estejam intactas.

É muito comum a pessoa saber o que tem de fazer (ex: "tenho de preparar o jantar"), mas ficar bloqueada sem saber como começar ou qual a ordem correta dos passos.

Esta dificuldade gera frequentemente mal-entendidos, pois o sobrevivente pode parecer desmotivado ou "preguiçoso", por exemplo aos olhos da família, quando, na realidade, perdeu a capacidade de autogerir as suas ações e impulsos.

  • O que pode ser difícil

    • Planear o dia

    • Tomar decisões

    • Resolver problemas imprevistos

    • Controlar impulsos

    • Iniciar uma tarefa sem que alguém mande

    • Preparar uma refeição

4. Perceção
Tem a ver com a forma como o nosso cérebro processa a informação que vem de fora.

Muitas vezes, a visão do sobrevivente está perfeita, mas o cérebro perdeu a capacidade de descodificar o que vê. Isto pode acontecer com todos os nossos 5 sentidos (visão, audição, olfato, paladar e toque).

O mundo torna-se confuso, distorcido e, por vezes, perigoso.

  • O que pode acontecer

    • Não conseguir calcular bem distâncias (falhar um degrau, deixar cair alguma coisa ao tentar pôr em cima da mesa, etc.)

    • Bater contra obstáculos

    • Entornar água 

    • Trocar o som da campainha com o do telefone

    • Alterar os gostos alimentares

    • Sentir cheiros desagradáveis ou não os notar
       

Estratégias para o dia-a-dia 

 

Após a alta hospitalar os sobreviventes e famílias focam-se na reabilitação e muitas horas do dia são dedicadas a terapias.

Mas, a reabilitação não acontece apenas nas terapias: acontece em casa, que é onde passamos a maior parte do nosso dia.

Algumas estratégias simples para sobreviventes e familiares.

Para o Sobrevivente: Simplificar e Organizar

Para quem sobreviveu a um AVC, o mundo pode subitamente parecer demasiado rápido, barulhento e cheio de informação. Quando o cérebro está em recuperação, a sua capacidade de processamento é menor, e tentar manter o ritmo de vida anterior sem adaptações leva rapidamente à exaustão e ao erro.

O segredo para recuperar a autonomia não está em esforçar-se mais, mas em organizar-se melhor.

É fundamental simplificar o ambiente e as rotinas, para que o cérebro não tenha de gastar a sua preciosa energia a tentar filtrar o caos.

 

  1. A Regra dos Passos: Se uma tarefa parece enorme, parta-a em pedaços. Em vez de fazer a sopa, pense em: 1. Tirar os legumes do frigorífico; 2. Lavar os legumes; 3. Cortar os legumes; 4. Colocar os legumes na panela; 5. Colocar água na panela; etc… 

  2. Uma coisa de cada vez: A multitarefa é o inimigo. Se estiver a comer, desligue a TV. Se estiver a falar ao telefone, pare de cozinhar. Evitar distrações vai ajudar a terminar tarefa e a reduzir dificuldades.

  3. Use cérebros externos: Se não pode confiar na sua memória, use outra. Use uma agenda, alarmes no telemóvel para a medicação, ou um quadro branco na cozinha com as tarefas do dia. 

  4. Respeite a Neurofadiga: O cansaço cerebral é real. Planeie sestas ou pausas antes e depois de tarefas exigentes. Garante que o seu cérebro está com energia para o que aí vem.

Para a Família e Cuidadores: Apoiar sem Substituir

​Para quem cuida, ver um familiar em dificuldade desperta um instinto imediato de proteção: é natural querer ajudar para evitar frustração, ou simplesmente porque é mais rápido e prático.

No entanto, existe uma regra de ouro na neuroreabilitação: o cérebro só reaprende aquilo que pratica.

Ao substituir o sobrevivente nas tarefas diárias — seja abotoar uma camisa, encontrar uma palavra ou cortar a comida —, estamos involuntariamente a retirar-lhe a oportunidade vital de estimular as conexões neuronais danificadas.

O maior ato de cuidado nesta fase não é remover todos os obstáculos, mas sim encorajar, dar tempo e permitir que a pessoa faça sozinha. Mesmo que demore o dobro do tempo ou que o resultado não seja perfeito.

  1. Paciência na Comunicação: Dê tempo para o sobrevivente responder. Não complete as frases por ele, a menos que ele peça ajuda. O cérebro pode precisar de mais tempo, mas muitas vezes consegue chegar lá, se tivermos paciência.

  2. Instruções Claras: Evite frases longas e complexas. Diga "Por favor, calça os sapatos" em vez de "vai lá arranjar-te que temos de sair senão chegamos atrasados". Evite também frases na negativa, diga “leva a carteira” em vez de “não te esqueças da carteira”.

  3. Incentive, não faça tudo: É tentador fazer as coisas pelo sobrevivente porque é mais rápido. Mas a recuperação depende da prática. Se ele consegue abotoar a camisa sozinho, mesmo que demore 10 minutos, deixe-o fazer.

  4. Ambiente Seguro: Se houver problemas de perceção, reduza a desordem em casa. Mantenha os objetos essenciais sempre no mesmo sítio.

O Papel da Neuropsicologia na Recuperação

 

A Neuropsicologia desempenha um papel fundamental na recuperação, funcionando como a fisioterapia da mente. Muitas vezes, as sequelas cognitivas são difusas e difíceis de explicar, gerando ansiedade e incompreensão tanto no sobrevivente como na família.

O neuropsicólogo começa por realizar uma avaliação detalhada que serve como um mapa preciso: identifica exatamente quais as funções que foram afetadas (como a memória recente ou a capacidade de inibição) e, igualmente importante, quais as que permanecem intactas. Este diagnóstico é o primeiro passo vital para deixar de ver as dificuldades como "preguiça", "teimosia" ou "confusão", passando a encará-las como sequelas clínicas concretas que precisam de intervenção.

Após a avaliação, a intervenção foca-se na reabilitação cognitiva, que assenta no princípio da neuroplasticidade — a incrível capacidade do cérebro de criar novas conexões para compensar as áreas afetadas pelo AVC. O neuropsicólogo desenha um plano de treino personalizado, que vai muito além de simples "jogos de memória".

Este processo envolve exercícios específicos para estimular as áreas em défice, mas, acima de tudo, a aprendizagem de estratégias compensatórias para o dia-a-dia.

O objetivo da neuropsicologia é capacitar o sobrevivente com ferramentas práticas que lhe devolvam a autonomia e a qualidade de vida no seu regresso a casa.


 

Conclusão 

As alterações cognitivas após um AVC podem ser assustadoras, mas não têm de ser enfrentadas sozinhas. Com paciência, estratégias de organização e apoio especializado, é possível recuperar autonomia e qualidade de vida.


Lembre-se: a reabilitação é uma maratona, não um sprint. Festeje cada pequena vitória — lembrar-se de um nome, completar uma refeição sozinho — pois ela é um passo em direção à meta.
 

Texto da autoria da Drª Lia Gomes de Almeida, Neuropsicóloga.

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